O INVENTOR

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O silenciar das vozes

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Uma das cenas mais marcantes para mim está em um filme chamado Hotel Ruanda, já viram? Lá pelas tantas, um grupo extremista invade a casa do personagem principal, com a brutalidade de um tufão que passa sem deixar vestígios, faz ajoelharem duas irmãs e manda a mãe escolher qual das duas ela quer deixar viver. Se não escolher, ambas morrem.
“ESCOLHA!”, eles vociferam.
A mãe, aos prantos, se joga ao chão, implorando clemência, até que tudo se fez silêncio.
Aquele tiro me acertou.
Uma realidade que parece, para muitos, estar restrita a cenas em filmes está, na verdade, batendo à porta de nossas casas, invadindo também sem pedir licença.
Recentemente, tenho me sentido assim.
O ódio estampa as notícias nos noticiários internacionais, nossos olhares se voltam à tragédia na França, mas negligenciam o terror na Nigéria.
Das 276 nigerianas sequestradas pelo Boko Haram no ano passado, apenas 50 escaparam, enquanto as outras continuam desaparecidas. 226 mulheres, escravizadas e torturadas. As cenas estão aí, é só procurar: mães indo às ruas, implorando para terem suas filhas de volta. “Bring back our girls”, dizem os cartazes escritos com lágrimas, revolta e esperança.
Mais assustador ainda é ver uma mulher-bomba com 10 anos de idade. Menina-bomba.
Dizem que o massacre da última semana matou 2 mil pessoas. O governo, em documento oficial, reporta apenas 150 mortos. Não importa. O pragmatismo, que tenta sempre quantificar a barbárie em números e em estatísticas, faz com que percamos de vista a marca humana. Como dói.
Na tradição africana, os griots são ancestrais contadores e cantadores de histórias passadas. No seu canto triste, ecoam as vozes daqueles que nunca foram ouvidos.
Nessas semanas, assim como o silêncio anterior ao tiro que matou as irmãs no filme, eu também tenho silenciado.
Pelo Charlie Hebdo.
Pela França.
Pelas pessoas que não entendem que preconceito não é liberdade de expressão.
Pela África esquecida por todos nós.
Às vezes, meus amigos, quando as palavras nos faltam, quando as bombas cessam e os tiros deixam de ecoar, é preciso ouvir o silêncio que diz muito.
Calemos.
Lutemos.

Written by Marcos M.

janeiro 16, 2015 às 9:14 am

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